A revolução de julho de 1830 estourou alguns dias depois da primeira aparição da Virgem Santíssima a Catarina Labouré. Essa revolução pôs Luís Filipe no trono da França. E, como a Senhora predisse, as calamidades que vão se precipitar sobre a França recomeçaram com força redobrada.
Embora Luís Filipe se autodenominasse “Rei Cidadão” da Primeira República, seu regime logo virou uma plutocracia ostensiva, um governo dirigido pela burguesia abastada. Em 1838, os franceses tomaram a Argélia, o que marcou a volta da “glória” francesa. Foi o único ponto alto de Luís Filipe – isto é, aos olhos dos franceses, mas não dos argelinos.
Depois de 1838, o regime ficou cada vez mais autocrático e interesseiro, menosprezando a situação difícil do novo proletariado urbano e dos agricultores da nação. E, assim, os cidadãos do “Rei Cidadão” começaram a sofrer.
No alvorecer de 1846, porém, pouca gente desconfiava que uma grande depressão econômica atingiria os franceses, pois a maioria considerava a França forte, apesar das dificuldades políticas. E ninguém nem sequer sonhava que outro Napoleão assumiria o poder na França. Contudo, no final do ano, a França animou-se com a notícia de uma aparição de Maria Santíssima – durante a qual a Senhora predisse isso pela boca de duas crianças analfabetas.
A aldeia isolada de La Salette encontrava-se a sudeste de Paris, no alto dos Alpes franceses. A vida ali era dura, pobre e frugal, como sempre fora durante séculos. Assim, é provável que a crescente agitação em outras partes da França nada significasse para seus habitantes.
É duvidoso que a aparição de 1830 em Paris fosse conhecida em La Salette, pois os detalhes dessa aparição ainda eram um segredo bem guardado. E não há razão para pensar que os habitantes de La Salette estivessem atualizados politicamente ou mesmo se importassem muito com as mudanças que ocorriam com bastante rapidez na história francesa. Nem há razão para pensar que as crianças analfabetas de La Salette estivessem a par de alguma coisa além da rotina diária.
No fim da tarde de sábado, 19 de setembro de 1846, duas crianças alvoroçadas, que haviam sido contratadas para tomar conta das vacas que pastavam nas encostas montanhosas, voltaram com as vacas para a aldeia de Abladins, não muito longe de La Salette. Disseram que “uma bela Senhora” lhes aparecera em um círculo de luz mais brilhante que o do sol.
Com essa visão começou um dos maiores tumultos na história das aparições. Os dois jovens videntes da aparição eram uma garota de 15 anos chamada Melânia Calvat e Maximino Giraud, que tinha 11 anos. Melânia tinha sete irmãos e ainda era muito pequena quando a mandaram mendigar. Maximino é descrito como “menino problema” que andava pelas ruas, onde também mendigava, ou participava de tramóias a fim de roubar algo para comer. Ambos eram naturais de Corps, lugarejo a uns cinco quilômetros abaixo das encostas de La Salette. Mas só se conheceram na sexta-feira, 18 de setembro de 1846, ao serem contratados para pastorear o gado nas encostas montanhosas, tendo obtido esse pequeno emprego de dois agricultores de Alandins, outra aldeia próxima.
Assim, Melânia e Maximino conheciam-se havia menos de 24 horas quando, no sábado, 19 de setembro de 1846, ocorreu a aparição. Essa notável aparição sofreria ataques veementes de incrédulos que disseram terem as crianças inventado a história.
No fim daquela tarde de sábado, na hora de voltar com as vacas para Ablandins, em uma ravina onde antes haviam se acomodado para comer o almoço que trouxeram, os dois videntes viram um grande círculo de luz “mais brilhante que o sol”. Enquanto olhavam cheios de temor, a luz se intensificou e expandiu. Quando iam fugir, o círculo brilhante se entreabriu e, aos poucos, os dois videntes distinguiram o vulto de uma mulher sentada, com o rosto entre as mãos, e chorando.
Segundo Melânia:
As vestes da Santíssima Virgem eram prateadas, muito brilhantes. Eram bastante intangíveis e feitas de luz e glória, reluzentes e encantadoras. Não há na terra expressão nem comparação. A Virgem Santíssima usava uma bata amarela. Que estou dizendo, amarela? Ela vestia uma bata mais brilhante que vários sóis juntos. Não era de material tangível. Compunha-se de glória e essa glória era cintilante e arrebatadoramente bela.
A Virgem Santíssima tinha duas correntes, uma um pouco mais larga que a outra. Da mais estreita pendia a cruz. Essas correntes – já que é preciso dar-lhes o nome de correntes – eram como raios de glória cintilante, reluzentes e encantadores.
Seus sapatos – já que precisam ser chamados sapatos – eram brancos, mas de um branco prateado brilhante. Havia rosas ao redor deles. Essas rosas eram encantadoras e do centro de cada uma saía uma chama de luz muito bela e agradável. Nos sapatos havia uma fivela de ouro, não o ouro desta terra, mas sim o ouro do paraíso.
A coroa de rosas que ela trazia na cabeça era tão bela, tão brilhante, que desafia a imaginação. As rosas de cores diferentes não eram desta terra; o que coroava a cabeça da Virgem Santíssima era um conjunto de flores. Mas as rosas não paravam de mudar e substituir umas às outras e, então, do centro de cada uma saía o brilho de uma luz arrebatadora que dava às rosas uma beleza difusa. Da coroa de rosas pareciam brotar ramos dourados com muitas outras florzinhas misturadas às que brilhavam. A coisa toda formava belíssimo diadema.
A Santíssima Virgem era alta e bem proporcionada. Parecia tão leve que uma simples brisa a teria agitado, contudo estava imóvel e perfeitamente equilibrada. Seu rosto era sublime, imponente. A voz da linda Senhora era suave, encantadora, fascinante, agradável aos ouvidos. Os olhos da majestosa Maria pareciam milhares de vezes mais formosos que os mais raros brilhantes, diamantes e pedras preciosas. Reluziam como dois sóis; (mas) eram suaves, a própria suavidade, claros como um espelho.
Nos olhos dela, via-se o paraíso. Eles nos atraíam para ela, que parecia querer atrair e se dar.
A Virgem Santíssima estava rodeada de duas luzes (auras). A primeira luz, a mais próxima da Virgem Santíssima, chegava até nós (Melânia e Maximino). Tinha muita beleza e muito brilho. A segunda luz reluzia um pouco ao redor da linda Senhora e nos vimos banhados (incluídos) nela. Estava imóvel, isto é, não cintilava, mas era muito mais brilhante que nosso pobre sol na terra. Toda essa luz não feria nem cansava os olhos, de modo algum.
Além de todas essas luzes, todo esse esplendor, brilhavam concentrações ou feixes de luz e raios únicos de luz que partiam do corpo da Santíssima Virgem, de suas vestes e de toda ela.
Do pescoço da Virgem Santíssima pendia uma belíssima cruz que parecia dourada, o que tinha um efeito mais bonito aos meus olhos que uma simples placa de ouro.
Nessa bela cruz brilhante havia um Cristo, era Nosso Senhor Crucificado. Perto de uma das duas extremidades da cruz havia um martelo e na outra, um par de tenazes.
O Cristo tinha a cor da pele, mas tinha um brilho encantador; e a luz que brilhava de todo o seu corpo parecia formada de setas reluzentes que traspassavam meu coração com o desejo de fundir-me nele.
Às vezes, o Cristo parecia estar morto. A cabeça inclinava-se para frente e o corpo parecia ceder, como se prestes a cair, se ele não estivesse seguro pelos cravos que o prendiam à cruz. Outras vezes, o Cristo parecia vivo. A cabeça estava ereta, os olhos abertos e ele parecia estar na cruz por sua livre vontade.
A Virgem Santíssima chorava quase o tempo todo em que falava conosco. Suas lágrimas corriam suavemente, uma a uma, até os joelhos e, então, desapareciam, como lampejos de luz. Seus olhos resplandeciam, cheios de amor. Eu sentia vontade de confortá-la e secar-lhe as lágrimas.
A aparição em La Salette ocorreu uma única vez, na tarde de 16 de setembro de 1846. Os videntes insistiram que a Senhora falou-lhes primeiro em francês. Eles só falaram o dialeto da região onde moravam. Quando percebeu que as duas crianças não entendiam francês, a Senhora chorosa passou a falar no dialeto.
Os videntes disseram que, mesmo assim, tiveram dificuldade para entender e acompanhar o que ela dizia, mas que “imagens” surgiram em suas mentes. Parece que, de alguma forma, a Senhora apresentou as mensagens verbalmente no dialeto e também fez os videntes receberem imagens apropriadas.
A Senhora fez um prognóstico claro e conciso que se referia às condições agrícolas e econômicas futuras. Depois de certa confusão inicial, a Senhora chorosa finalmente disse:
Vocês não compreendem, meus filhos. Vou falar-lhes de outro modo. Se a colheita se estraga, não parece (ainda) afetá-los. Eu os fiz ver isso no ano passado, com as batatas. Elas continuarão a estragar-se e, no Natal (1846) não haverá mais nenhuma. Se têm grãos, não os semeiem. Os bichos vão comer tudo que semearem. E o que crescer vai virar pó quando vocês vierem debulhá-lo. Haverá uma grande fome. Antes da fome, porém, as crianças de sete anos para baixo serão acometidas de um tremor e morrerão nos braços dos que as tiverem no colo. Os outros farão penitência por meio da fome. As nozes vão se estragar e as uvas apodrecerem.
Depois de dizer essas palavras, a Senhora fez longa declaração apocalíptica sobre o futuro. As crianças disseram que não entenderam muito bem, mas que a Senhora fez imagens relevantes formarem-se em suas mentes.
Parece que essas imagens ficaram indeléveis nas mentes dos videntes, que conseguiam evocá-las de maneira independente a vida toda e descrevê-las vezes sem conta, sempre da mesma forma.
A notícia que a Virgem Santíssima apareceu nas áridas encostas de La Salette correu rapidamente pelas montanhas e, aos poucos, pela França toda. Romeiros e curiosos começaram a chegar, primeiro em grupos pequenos, mas em número crescente já a partir de quatro semanas mais tarde. Logo as aldeias de Ablandins, Corps, La Salette e todas as casas e chácaras próximas estavam cheias de gente.
Em meados de outubro de 1846, havia disponíveis folhas e panfletos impressos, que incluíam as primeiras entrevistas dos dois jovens videntes, descrições do acontecimento, as profecias e a longa declaração apocalíptica ou trechos dela.
No fim de 1846, perto do Natal, todos os elementos da profecia haviam começado a se confirmar. Situações econômicas e políticas seculares lamentáveis arruinaram a França. Os comerciantes ricos começaram a reter a produção para elevar os preços, os quais não estavam ao alcance do cidadão comum. Também ocorreu um ataque inesperado de doenças terríveis atingindo plantações, animais e também seres humanos. No Natal, não havia batatas à venda; tinham apodrecido no chão. Logo depois, os grãos começaram a apodrecer. No princípio foram considerados bons só para a forragem animal, até o gado inchar e morrer por comê-los.
A colheita de nozes fracassou. A colheita de uvas, de grande importância para a França, foi atacada pela filoxera. Em muitas áreas seguiu-se uma fome intensa, com a qual muitas regiões pobres da França sofreram horrivelmente. Uma forma de cólera atingiu muitas regiões, provocando breve ataque de tremor e náusea antes da morte quase certa. As crianças eram mais suscetíveis e milhares morreram, em alguns casos famílias inteiras.
Com certeza, nada parecido com a intensidade deste infortúnio já ocorrera. Até os mais cínicos incrédulos à aparição foram forçados a reconhecer a espantosa exatidão das profecias da Senhora.
Em janeiro de 1847, a autenticidade da aparição começou a ser aceita. Iniciaram-se então as maciças e árduas jornadas dos romeiros aos altos Alpes Franceses, e a jornada da própria aparição na história.
Uma fonte milagrosa surgiu no local da aparição e atraiu cada vez mais romeiros para beberem da água que curava os doentes.
No fim de 1847, a notícia da aparição de La Salette espalhou-se por toda a França e chegou até o Colégio de Cardeais e ao papa Pio IX em Roma. Isso fez as crianças serem pressionadas a anotar por escrito os segredos que a Virgem Santíssima lhes confiara, para poderem ser transmitidos ao papa. Mas, do que é possível deduzir sobre o nível educacional das crianças, concluímos que nenhuma das duas sabia escrever, com certeza não em francês, italiano ou latim. O que os dois ditaram foi, finalmente, entregue em envelopes lacrados ao papa em 1851, pelos padres Rousselot e Gerin. O resultado foi a “gratificante boa acolhida” da aparição por cardeais, bispos e o papa.
Em maio de 1852, na presença de mais de dez mil pessoas, o Bispo de Bruillard subiu a montanha de La Salette e lançou a pedra fundamental de uma nova basílica no local da aparição, uma área deserta, cercada apenas por áridas encostas alpinas. É preciso notar que tudo isso constituía aprovação apenas oficiosa. A veneração de Nossa Senhora da Salette só foi oficialmente aprovada cem anos mais tarde, em 19 de setembro de 1946, centenário de Nossa Senhora da Salette, às vezes também conhecida como Madona das Lágrimas.
Partes do apocalipse de Nossa Senhora:
Os padres, ministros de meu Filho, os padres, com a vida depravada que levam, com a irreverência e a falta de devoção na celebração dos santos mistérios, com o amor ao dinheiro, seu amor às honras e aos prazeres, os padres tornaram-se cloacas de impureza. Sim, os padres estão pedindo vingança e a vingança paira sobre suas cabeças.
Deus atacará de uma forma sem precedentes. Coitados dos habitantes da terra!… Os chefes, os líderes do povo de Deus descuidaram-se da oração e da penitência e o diabo obscureceu a inteligência deles… Deus permitirá que a velha serpente cause divisões entre os que governam em todas as sociedades e em todas as famílias. Haverá sofrimentos físicos e morais. Deus abandonará a humanidade à própria sorte e enviará castigos que se seguirão uns aos outros… A sociedade dos homens está às vésperas dos mais terríveis flagelos e dos mais graves acontecimentos. A humanidade deve esperar beber do cálice da ira de Deus.
…
Que o cura de meu Filho, o papa Pio IX, nunca mais saia de Roma depois de 1859. … Estarei a seu lado. Que ele se previna contra Napoleão: ele é falso, e quando desejar fazer-se papa, além de imperador, Deus logo se afastará dele.
Essa última passagem exige explicação, pois contém importante profecia. O papa Pio IX foi eleito no início de 1846. Naquele ano, o ano da aparição, ninguém teria imaginado que outro Napoleão surgiria na França, muito menos o imperador Napoleão.
Na verdade, o único sucessor possível do grande Napoleão era seu sobrinho, que vivia em relativa obscuridade. Os que o conheciam, ou se lembravam de sua existência, consideravam-no idiota fútil e estúpido, e era totalmente impensável que ele subisse a qualquer posto. Essa passagem deve ter sido motivo de riso. Foi, portanto, um choque quando o idiota fútil foi eleito presidente da França em dezembro de 1848, durante a fome, e, em novembro de 1852, tornou-se o imperador Napoleão III, com plenos poderes ditatoriais.
A Terra será atingida por calamidades de todos os tipos, além da peste e da fome que se espalharão. Haverá uma série de guerras até a última guerra… Antes que isso aconteça, haverá no mundo uma espécie de falsa paz. As pessoas não pensarão em nada além de divertimento… Mas bem-aventuradas as almas humildemente guiadas pelo Espírito Santo! Lutarei ao lado delas até alcançarem a plenitude dos anos.
A natureza pede vingança por causa do homem e treme de pavor pelo que deve acontecer com a Terra manchada pelo crime. Trema, Terra… e tremam vocês que se proclamam servidores de Jesus Cristo e que, no íntimo, só adoram a si mesmos…
As estações do ano serão alteradas. A terra nada produzirá além de frutos estragados. As estrelas perderão o movimento regular. A lua refletirá apenas um fraco brilho avermelhado. A água e o fogo causarão à luva da Terra (a atmosfera, o campo magnético de nosso planeta?) convulsões e terremotos terríveis que engolirão montanhas, cidades… Os demônios do ar realizarão prodígios espantosos sobre a Terra, na atmosfera, e os homens serão cada vez mais pervertidos.
Coitados dos habitantes da Terra! Haverá guerras sangrentas e fome, pragas e moléstias infecciosas… Os homens vão bater a cabeça contra a parede, clamar pela morte e a morte será o tormento deles.
Haverá tempestades que vão sacudir cidades, terremotos que vão engolir países… o sol está se escurecendo… o abismo se abrindo…
Quem será o vencedor, se Deus não encurtar o teste? … E, então, a água e o fogo vão purificar a Terra e consumir todas as obras do orgulho do homem (depois) tudo será renovado. Deus será servido e glorificado.
Quanto aos dois jovens videntes da Madona das Lágrimas, ao crescerem puseram lenha na fogueira dos incrédulos, pois não se tornaram humildes como se espera de instrumentos escolhidos pela Virgem Santíssima. Na verdade, Maximino Girard envaideceu-se por ser uma celebridade, exibia-se cheio de importância e muitas vezes embriagava-se, vangloriava-se e era briguento. Na juventude, tentou se preparar para o sacerdócio, para o qual “não demonstrava vocação”. E o pior de tudo é que chocou a todos ao tentar vender e ceder os direitos de venda de um licor chamado “Salette”, projeto que foi, de modo geral, considerado tentativa de se aproveitar da aparição da Virgem Santíssima. Ele morreu aos 40 anos.
Depois de aprender a ler e escrever, Melânia tentou sem sucesso viver em algumas ordens religiosas, inclusive em um convento carmelita em Darlington, na Inglaterra. Com o passar dos anos, dizem que era difícil conviver com ela, que foi ficando cada vez mais dogmática, irritante e excêntrica. Uma fonte menciona que ela sentia rancor contra o clero que não proclamou sua importância pessoal. Posteriormente, ela se autodenominou “irmã Maria da Cruz, Vítima de Jesus”, referindo-se à Igreja, não ao Salvador. Morreu sozinha em 1904, enquanto se aprontava para a missa, a que assistia diariamente desde que vira Nossa Senhora da Salette.
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