Em pouco mais de dois anos, a inocente pastorinha de Fátima atingiu altíssimo grau de união com Deus, cumpriu uma grande missão e espalhou pelo mundo inteiro o perfume de sua santidade. Como conseguiu tudo isto em tão pouco tempo?
O que é mais fácil: fazer o sol bailar no céu ou mover o coração humano a abraçar a santidade? É bastante conhecido o “milagre do sol” que ziguezagueou no céu, no dia 13 de outubro de 1917, diante de 70 mil pessoas reunidas na Cova da Iria.
Mas a pergunta acima, feita por um famoso sacerdote português, desperta a atenção para outro prodígio operado pelo Imaculado Coração de Maria, mais luminoso e duradouro que o primeiro: a santificação de Jacinta e Francisco Se todos os santos são milagres da graça, estes dois são, por assim dizer, únicos no seu gênero. Por quê?
“Em breve tempo cumpriu uma longa vida”
Até o pontificado de João Paulo II, a Igreja não permitia canonizar uma criança a título de confessora da Fé, ou seja, sem ter sido mártir. Pelo seguinte motivo: para uma pessoa ser elevada à honra dos altares, ela precisa ter praticado a virtude em grau heróico; ora, isso pressupõe uma consistência de caráter que, pelas contingências da natureza humana, falta a uma criança. O Papa Pio XI chegou mesmo a regulamentar o assunto, impossibilitando serem instaurados esses processos de canonização.
Porém, ante as provas incontestáveis da heroicidade das virtudes dos dois pequenos videntes de Fátima, o Papa João Paulo II suspendeu o decreto do seu antecessor e declarou-os bem-aventurados.
A vida de Jacinta é mais conhecida. Primeiro, devido às várias visões particulares tidas por ela de Nossa Senhora. Em segundo lugar, pelos múltiplos aspectos de santidade que transpareciam em sua fogosa alma.
“Em breve tempo cumpriu uma longa vida” diz o Livro da Sabedoria (4,13). Estas palavras são utilizadas no decreto de beatificação da jovem vidente, justamente para mostrar como em pouquíssimos anos atingiu elevados píncaros da perfeição.
Um amor capaz de chegar ao Heroísmo
De um temperamento afeito aos extremos, Jacinta ficou imediatamente fascinada pela “Senhora”, como geralmente a chamava. Logo após a primeira aparição, não se cansava de repetir: “Ai! Que Senhora tão linda! Que Senhora tão linda!” E o seu amor nunca vacilou, mesmo quando foi necessário dar provas de heroísmo.
No dia 13 de agosto, por exemplo, os três pastorinhos foram seqüestrados pelo Administrador (autoridade
municipal). Este, ateu e arbitrário, decidira arrancar-lhes a custo de ameaças a revelação do segredo a eles confiado pela Virgem. Começou por metê-los num cárcere, onde foram mantidos durante três dias entre bandidos e malfeitores. Depois submeteu-os a um brutal interrogatório. Por fim, fez-lhes, aos gritos, a ameaça de matá-los num grande caldeirão de azeite fervente, se não lhes contassem tudo.
Jacinta foi a primeira a enfrentar a possibilidade do martírio.
– Tenho para os três um caldeirão de azeite a ferver na cozinha, prontinho à vossa espera. Jacinta, qual é o segredo que a tal Senhora te revelou? A pobrezinha tremia de medo, mas respondeu com firmeza:
– Eu não o posso dizer, senhor Administrador, ainda que me matem.
Fama de santidade
A fama de santidade de Jacinta espalhou- se rapidamente. Quem dela se aproximava, sentia logo o perfume dos seus dons sobrenaturais e a presença da graça. Sua prima Lúcia assim a descreve: “Jacinta tinha um porte sempre sério, modesto e amável, que parecia traduzir a presença de Deus em todos os seus atos, próprio de pessoas já avançadas em idade e de grande virtude”.
Certa vez, Jacinta acompanhou Lúcia a uma festa e, após o almoço, começou a deixar cair a cabeça, com sono. O dono da casa mandou uma das suas sobrinhas deitá-la em sua cama. Daí a pouco, a pequena dormia a sono solto. Começou a juntar-se a gente do lugarejo e, na ansiedade de a ver, foram espreitar no quarto. Todas ficaram admiradas de vê-la em profundo sono, com um sorriso nos lábios, um ar angelical e as mãozinhas postas voltadas para o céu.
O quarto encheu-se depressa de curiosos. A custo uns saíam para deixar entrar os outros. A dona da casa e suas sobrinhas comentavam admiradas: “Isto deve ser um anjo”. E, tomadas de um reverencial respeito, permaneceram de joelhos junto da cama. À medida que transcorriam as aparições, crescia a confiança do povo no poder de intercessão dos videntes.
Numa tarde, iam eles pela estrada para rezar o terço na casa de uma piedosa senhora. A meio caminho, veio-lhes ao encontro uma jovem de uns 20 anos, suplicando-lhes irem até sua casa rezar por seu pobre pai, o qual, havia mais de três anos, sofria de um incômodo soluço que o impedia de dormir.
Sendo quase noite, e não querendo atrasar o terço, Lúcia pediu a Jacinta que fosse à casa da jovem rezar pelo seu pai, enquanto ela seguiria adiante com o Francisco e a chamaria na volta. Quando retornou, encontrou sua jovem prima sentada numa cadeira, diante de um homem não muito idoso, mas mirrado e chorando de comoção, totalmente curado. Jacinta levantou-se e se despediu, prometendo não se esquecer do ex-enfermo em suas orações. Três dias depois, acompanhado de sua filha, este veio agradecer a graça recebida pelas valiosas orações da humilde pastorinha.
Sacrifícios pela conversão dos pecadores
“Sim, eu quero oferecer sacrifícios para salvar os pecadores”, repetia sempre a pequena Jacinta, especialmente quando seu irmão Francisco apresentava- lhe uma oportunidade de mortificar-se.
Movidos por uma ardente devoção ao Imaculado Coração de Maria, os dois juveníssimos videntes em pouco tempo alcançaram uma alta compreensão do verdadeiro significado do sofrimento.
Poucos meses antes, a Santíssima Virgem lhes mostrara o inferno, local de tormentos eternos, e lhes pedira que oferecessem orações e sacrifícios pela conversão dos pecadores, muitos dos quais para lá vão por não haver quem sofra por eles. Jacinta e Francisco tomaram tão a sério o pedido da “Senhora” que, a partir de então, não deixavam passar ocasião alguma de sacrificar-se nessa intenção.
Lúcia, em suas memórias, afirma serem tão numerosos os exemplos do seu espírito de mortificação que não era possível relatá-los todos. A título de exemplo, narra alguns.
Numa manhã, quando os três videntes brincavam perto de uma vinha, a mãe de Jacinta ofereceu-lhes alguns cachos de uva. Nada mais apetecível, para três crianças vivazes, cansadas e com sede. Mas Jacinta nunca se esquecia do pedido da bela Senhora:
– Não vamos comê-las! E oferecemos esse sacrifício pelos pecadores. Em seguida, foi correndo levar as uvas para algumas crianças pobres, que brincavam pouco além. Quando voltou, estava radiante de alegria. Em outro dia, a tia de Lúcia ofereceu- lhes uma cesta de esplêndidos figos. Jacinta sentou-se com Lúcia, satisfeita, ao lado da cesta. Pegou o primeiro figo para comer, mas, de repente, lembrou-se do pedido da Senhora e disse:
– É verdade! Hoje ainda não fizemos nenhum sacrifício pelos pecadores! Temos que fazer este.
Convite ao holocausto completo
Maior generosidade, contudo, foi necessária para enfrentar a terrível gripe pneumônica de 1918, a qual ceifou milhões de vidas na Europa. Entre elas, as de Jacinta e Francisco. Durante meses, os dois irmãos sofreram com edificante resignação. A primeira operação, mal-sucedida, fora feita apenas com um anestésico local para remediar as dores. Duas costelas foram-lhe tiradas para facilitar a drenagem, deixando uma chaga aberta que permitia a entrada de um punho. Em meio às imensas dores, Jacinta dizia apenas: “Ai! Nossa Senhora! Ai! Nossa Senhora!”
Em janeiro de 1919, a Santíssima Virgem apareceu-lhes para dar uma surpreendente notícia e convidar Jacinta ao holocausto completo. Eis como esta relatou o fato a Lúcia: – Nossa Senhora veio nos ver e disse que vem buscar o Francisco muito breve para o Céu. E a mim, perguntou- me se queria ainda converter mais pecadores. Disse-lhe que sim. Disse-me que iria para um hospital, que lá sofreria muito; que sofresse pela conversão dos pecadores, em reparação dos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria e por amor de Jesus.
Aconteceu como Nossa Senhora predisse. Internada no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, ela a todos edificou por sua inocência e pela encantadora serenidade com que suportava os padecimentos da terrível enfermidade.
De lá, só sairia para o Céu, em 20 de fevereiro de 1920.
Na última visita feita à sua santa prima, Lúcia perguntou-lhe se sofria muito, e colheu de seus lábios esta singela e sublime confidência: “Sofro sim, mas ofereço tudo pelos pecadores e para reparar o Imaculado Coração de Maria. Gosto tanto de sofrer por seu amor! Para dar-lhe gosto! Ela gosta muito de quem sofre para converter os pecadores!”
União mística com Jesus
Em poucos anos de vida, Jacinta atingiu uma tão alta união com Nosso Senhor Jesus Cristo, que pode ter chegado àquele grau chamado de “troca de corações” por alguns teólogos. Disse ela: “Eu não sei como é: sinto Nosso Senhor dentro de mim, compreendo aquilo que Ele me diz, embora não O veja e não escute a sua voz!”
Mas, não nos esqueçamos! Se Jacinta chegou em tão pouco tempo a este grau de união com Deus, foi porque soube entender e praticar ternamente a devoção a Nossa Senhora. Sigamos, pois, nós também, o conselho dado por ela à Lúcia na última despedida: “Diz a toda a gente que Deus nos concede as graças por meio do Coração Imaculado de Maria. Ah! Se eu pudesse meter no coração de toda a gente o fogo que tenho cá dentro do peito, que me queima e me faz gostar tanto do Coração de Jesus e do Coração de Maria!” (Revista Arautos do Evangelho, Maio/2004, n. 29, p. 12 a 15)
Fonte: Arautos do Evangelho
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