Minha saudação afetuosa a todos os peregrinos que se congregam aqui em Fátima para esta celebração aniversária! Este Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro se une aos peregrinos que aqui vieram para neste lugar consagrar sua vida e sua missão a serviço da Igreja aos pés da Virgem de Fátima, que trago em meu coração desde a minha infância quando rezava à Mãe, após as aulas de catequese na Igreja Matriz de minha cidade Natal.
Na noite de ontem, tive a oportunidade também de consagrar à Maria a Jornada Mundial da Juventude, deste ano, assim como, os jovens do mundo inteiro.
A bela liturgia solene da qual participamos nesta manhã nos traz a Palavra de Deus que ilumina nossa vida e nossa peregrinação. O Evangelho da celebração de hoje apresenta um belo elogio a mãe de Jesus ao dar a entender que ela pôs em prática a Palavra de Deus, e por isso é bem aventurada. Esse aspeto que à primeira vista parece contraditório, no entanto, nos esclarece que a felicidade está em fazer a vontade de Deus, que em Maria, foi também gerar, por obra do Espírito Santo, o Filho de Deus.
Santo António usa uma imagem de grande expressividade e beleza: “Deus reuniu todas as águas e chamou-lhes mar, reuniu todas as graças e chamou-lhes Maria”. Por isso, o Arcanjo Gabriel A saudou chamando-Lhe cheia de graça: “Salve, ó cheia de graça”.
Jesus tanto ama sua Mãe que a cumulou de dons, como a mais ninguém. Ele a coloca como aquela que fez a vontade de Deus. Deste modo, “Felizes, antes, os que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática”. Por isso, Maria é feliz, porque como ninguém soube ouvir a voz do Pai e obedece-lo. Queridos irmãos peçamos a força do alto para seguir o seu exemplo. Na realidade, ao acolhermos com o coração aberto as palavras do Divino Mestre, vemos que desejou ressaltar a importância de colocar em prática a Palavra de Deus, o que Maria fez melhor do que ninguém. E a esse título também Ela era bem-aventurada, mais do que qualquer outra criatura. Não há dúvida de que o título mais glorioso d’ Ela é o de ser Mãe de Deus, porém é mais meritório fazer a vontade de Deus, ouvir sua Palavra e pô-la em prática. Nisso consiste a verdadeira felicidade, como canta o salmista: “Alegro-me mais em seguir as tuas ordens, do que em possuir qualquer riqueza. Conduz-me pela senda dos teus mandamentos, porque neles estão as minhas delícias”.
Esta é uma admirável lição que o Senhor nos dá: é mais importante ser fiel à Palavra de Deus do que ser muito dotado. Se Deus nos quis favorecer mais do que a outros, devemos ser-Lhe gratos, sabendo que esse amor gratuito para connosco implica em responsabilidade. O título honroso e bendito de cristão traduz-se na correspondência à Graça de Deus. É a correspondência à graça de Deus que se exprime nas boas obras, na vida exemplar, no cumprimento dos Mandamentos da Lei do Senhor que nos conduzem à bem-aventurança eterna. Por isso é sempre oportuno lembrar a exortação de São Tiago: “De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? (…) Assim como o corpo sem alma está morto, assim também a fé sem obras está morta”.
Façamos nossa parte ao acolher a graça de Deus experimentando a bem-aventurança por termos posto em prática a Palavra, a exemplo de Maria: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua Palavra” (Lc 1,38).
Na primeira leitura, encontramos uma afirmação do Apóstolo Paulo que nos ilumina belissimamente: “Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus”. Procuremos primeiro compreender bem o sentido literal da frase. Quem são os que amam a Deus? São as pessoas de boa vontade que buscam sinceramente a verdade, aqueles que seguem os
preceitos da Lei de Deus e da reta consciência, que amam o próximo e fazem boas obras. Somos todos nós, peregrinos de Fátima aqui reunidos para louvar a Mãe de Deus. Esta frase de São Paulo aplica-se, sem a menor sombra de dúvida, a cada um de nós individualmente. Este sentido é claro,
não apresenta dificuldade. O que surpreende é a palavra “tudo”. Tudo contribui para o nosso bem. Tudo? Se São Paulo tivesse escrito “muita coisa contribui” ou “algumas coisas contribuem” pareceria mais claro, por ser evidente que na existência terrena muita coisa contribui para o nosso bem, para a nossa santificação, para a nossa salvação eterna. É nesse sentido que se deve entender aqui a palavra “bem”. Mas afirmar que “tudo” contribui para a salvação eterna nos questiona sobre a nossa visão e experiência de Fé. Era assim que o Apóstolo Paulo enfrentava a realidade. E esse modo de considerar a vida era fruto de sua grande fé. Em tudo ele discernia o dedo de Deus a guiar os acontecimentos para o bem dos justos, para a glória do Pai. Sua confiança no auxílio divino era inabalável, por isso nada o perturbava, mesmo nas situações mais difíceis, próprias a desencorajar qualquer um menos crente na providência divina. Ele tinha a certeza absoluta de que Deus nunca abandona os seus filhos, como afirma o salmista: “Ainda que meu pai e minha mãe me abandonem, o Senhor há-de acolher-me”. Por isso, logo a seguir, na mesma Carta aos Romanos, o Apóstolo canta um hino de confiança em Deus: “Quem poderá separar-nos do amor de Cristo?”. Em tudo ele está certo de sair vencedor “graças Àquele que nos amou”. E conclui com um ato de confiança irrestrita em Jesus Cristo: “Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem o abismo, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus, Senhor nosso”.
Somos chamados a essa visão de fé, a exemplo de Paulo, confiantes em Deus, a suportar o sofrimento, as dificuldades, e assim tudo na vida nos servirá para progredir rumo à santidade, que é a vocação de todo o batizado: “Sede perfeitos, como é perfeito o vosso Pai Celeste”.
O que corresponde ao “tudo”? São Bernardo – grande santo da Ordem à qual pertenço-, responde a esse problema de forma um tanto surpreendente: “…cooperam sempre todas as coisas para o nosso bem, mesmo a própria morte, mesmo o próprio pecado (…). Porventura não cooperam os pecados para o bem daquele que com eles se torna mais humilde, mais fervoroso, mais solícito, mais precavido, mais prudente?”.
De fato, as faltas cometidas lembram-nos sempre que, se praticamos a virtude é pela graça de Deus que o conseguimos e não por nossas próprias forças, incapazes de perseverar estavelmente no bem, só por si.
No mesmo sentido se pronuncia São Tomás de Aquino, apoiando-se em Sto. Agostinho: “Deus é tão bom que Ele não permitiria nenhum mal se não fosse suficientemente poderoso para tirar o bem de qualquer mal que seja”13. A própria vida dos pastorinhos de Fátima confirmam esta realidade.
Meus amigos, “tudo contribui para o bem dos que amam a Deus”. Esta frase lapidar de São Paulo nunca mais deveria sair da nossa memória, deveríamos repeti-la interiormente antes de ouvir o noticiário que quase só nos anuncia crises, tragédias e crimes, dando a impressão de que o mundo vai ruir, porque o cancro da desordem, da anarquia o corrói. Mas ao ver tanto desconcerto podemos crescer na fé, se tivermos a certeza de que Deus saberá tirar o bem do mal. Sobretudo, quando a tribulação atinge a nossa vida pessoal e familiar, tenhamos fé: tudo contribui para a nossa santificação, se confiarmos em Deus, e digamos com o salmista: “Ainda que meu pai e minha mãe me abandonem, o Senhor há de acolher-me. (…)
Confia no Senhor! Sê forte e corajoso e confia no Senhor. Neste sentido, nunca é demais recordar as palavras consoladoras de Nossa Senhora à pequena Lúcia, angustiada por saber que ficaria sozinha, nesta terra, sem os primos, Francisco e Jacinta: “Não desanimes. – disse-lhe a Senhora do Rosário –Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus”.
Estas palavras da Virgem Santíssima à Irmã Lúcia são-nos ditas também a nós que aqui nos congregamos em torno do local da aparição da Virgem Maria. Não estamos sozinhos nas tribulações da vida. Maria, nossa Mãe celestial nunca nos deixará. Por isso, é tão adequado o lema escolhido pelo Santuário de Fátima para as peregrinações deste ano: “Não tenhais medo”. Foram estas as primeiras palavras de Nossa Senhora aos pastorinhos.
Meus irmãos em Cristo, a segunda leitura, tirada do Apocalipse, é uma breve descrição da Jerusalém Celeste, onde já não haverá sofrimento, nem pecado, nem morte. Esta descrição é um estímulo à esperança na recompensa eterna. Sabemos que depois da nossa curta passagem por esta terra de exílio, tão breve em comparação com a eternidade, veremos Deus face a face, inundados de felicidade.
Mas, com frequência, esta perspectiva nos parece tão distante que tem pouco efeito sobre o nosso espírito, nos momentos de provação, de dificuldade, sobretudo para quem é jovem, está cheio de saúde, de vitalidade e tem a sensação, nem sempre certa, de ter pela frente uma longa vida… o Céu está muito longe…
Esquecemos que o Céu está muito mais próximo de nós do que se pode imaginar e se vivermos a fé poderemos já nesta vida antegozar algumas das delícias da bem-aventurança. Como? Na leitura do Apocalipse está apontada uma das principais características da Jerusalém Celeste: Deus habitará com os homens. É claro que esse convívio com os homens se fará de forma visível e sensível, sendo ele a causa da maior felicidade do Céu.
Mas, neste mundo, Deus já convive com os homens, com aqueles que vivem na amizade de Deus, que são morada da Santíssima Trindade: “Se alguém me ama, guardará a minha Palavra; meu Pai amá-lo-á e viremos a ele e faremos nele morada”. Cada cristão em estado de graça é morada da Santíssima Trindade, é já uma Jerusalém Celeste em miniatura, invisível, mas inteiramente real. No dia em que numa cidade, num país, todos viverem na amizade Deus, a Jerusalém Celeste terá começado dentro da realidade frágil humana: será o triunfo do Imaculado Coração de Maria, anunciado por Nossa Senhora aqui na Cova da Iria.
Quantas vezes, depois de uma confissão bem feita, na qual por misericórdia Nosso Senhor perdoa os pecados e restabelece o convívio com a alma arrependida, essa alegria interior é restaurada também com intensidade ainda maior do que antes. É esse um fruto da morada da Trindade Santíssima na alma. Essa paz interior, que não tem preço, nem há alegria deste mundo que seja capaz de superar, é já um antegozo do Céu, uma pálida experiência do que será na eternidade o convívio com Nosso Senhor Jesus Cristo.
Fazer a vontade de Deus, caminhar na conversão para a Jerusalém Celeste e viver na fé sabendo que tudo concorre para aqueles que amam o Senhor é também a mensagem de Fátima para que não tenhamos medo de viver neste tempo a nossa fé acreditando que um mundo novo é possível, pois a Deus, nada é impossível. Aqui essa mensagem se torna ainda mais potente. Aqui ela deve ser difundida pelo mundo com vigor e com coragem. Aqui, com a fé aprofundada e com os olhos cheios de esperança somos conduzidos a viver a caridade. Ele nos predestinou à santidade para vivermos como Maria, fazendo a vontade de Deus.
Hoje, vai realizar-se aqui na Cova da Iria, como todos sabemos, um ato de extrema importância para a Santa Igreja. Sua Santidade o Papa Francisco pediu ao Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, que consagrasse a Nossa Senhora de Fátima o seu pontificado, que se iniciou há exatamente dois meses.
A consagração do pontificado do Papa Francisco a Nossa Senhora reveste-se também de grande importância para nós, que estamos aqui presentes neste Santuário, não só por nos sentirmos incluídos nessa consagração, mas também por ver o especial carinho do Papa por Fátima.
Este é um privilégio de Fátima que a todos nos alegra e conforta: a especial atenção e solicitude que os Papas dos últimos 50 anos têm demonstrado por este solo abençoado, transformando-se em peregrinos da Cova da Iria, para vir aqui pedir à Senhora do Rosário proteção para a Igreja e a paz para o mundo.
E agora, o Papa Francisco, em continuidade com os seus antecessores, consagra o ministério petrino à Senhora do Rosário de Fátima.
Ao chegar o momento da consagração, no fim desta Eucaristia, unamo-nos em espírito, com todo o coração, ao Senhor Cardeal Patriarca e aos Senhores Bispos aqui presentes, fazendo nossa essa consagração a Maria e incluindo a Jornada Mundial da Juventude também nela, para a qual mais uma vez reitero o meu convite para os jovens de todas as idades – juventude é estado de espírito -, torno a repetir, unamo-nos pois ao Santo Padre Francisco neste ato de consagração. E que Maria nos ajude a sermos daqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põe em prática, daqueles que acreditam que tudo concorre para o bem dos justos e nos conserve sempre na amizade com Deus, rumo à Jerusalém Celeste.
Assim Seja!
Dom Orani João Tempesta
Arcebispo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro
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