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Verdades de Fé proclamadas pelo Magistério em sua missão de custodiar e expor a Revelação, os dogmas marianos constituem um autêntico sinal da divina vitalidade da Igreja.

Autora: Irmã Clarissa Ribeiro de Sena, EP

Após a Ascensão do Senhor aos Céus, coube aos Apóstolos, já transformados pelas graças de Pentecostes, a missão de instruir os homens na Boa Nova. Assim o fez Filipe, por exemplo, quando, impelido pelo Espírito, se aproximou do estrangeiro que lia um trecho de Isaías e lhe perguntou: “Tu compreendes o que estás lendo” ? Ao que este respondeu: “Como posso se não há quem mo explique?” (At 8, 31). Então Filipe, “principiando por essa passagem da Escritura, anunciou-lhe Jesus” (At 8, 35).

Com efeito, sendo a Palavra de Deus expressa com as limitações próprias à linguagem humana, e estando as nossas mentes sempre sujeitas a enganos, era inevitável surgirem dúvidas e dificuldades na compreensão do sagrado depósito da Fé, dando origem às mais variadas interpretações. Inclusive porque naSagrada Escritura, conforme escreve São Pedro a propósito das cartas paulinas, “há algumas partes difíceis de entender, cujo sentido os espíritos ignorantes ou pouco fortalecidos deturpam, para sua própria ruína” (II Pd 3, 16).

Jesus, portanto, quis instituir um Magistério vivo, confiado ao Papa e aos bispos, sucessores dos Apóstolos, a fim de que “permanecesse íntegro e fosse transmitido a todas as gerações tudo quanto tinha revelado para salvação de todos os povos”1, possibilitando-lhe praticar a Fé autêntica sem erro.2

A este Magistério vivo, e somente a ele, cabe “o encargo de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita ou contida na Tradição”; 3 e seu caráter infalível se verifica ao definir, por singular assistência do Espírito Santo, doutrinas em matéria de Fé e moral, seja através do Papa, pronunciando-se ex cathedra, ou do Colégio Episcopal “quando este exerce o supremo Magistério em união com o sucessor de Pedro”.4

É nesse contexto que se inserem as definições dogmáticas nas quais “o Magistério da Igreja empenha plenamente a autoridade que recebeu de Cristo”5 e propõe ao povo cristão uma verdade a ser aceita com adesão irrevogável de Fé. Longe de serem imposições arbitrárias, “os dogmas são luzes no caminho de nossa Fé que o iluminam e tornam seguro”.6

Magistério e fervor popular

Os sucessores dos Apóstolos não são apenas mestres, mas também pastores; seus ensinamentos visam, pois, intervir na ordem concreta dos fatos. Por isso, “insistem mais num ponto ou noutro, desenvolvem mais uma matéria, enriquecem de preferência outra, com novos ensinamentos e novas leis, tudo ao influxo do que lhe vai pedindo a solicitude pastoral à vista das diversas vicissitudes pelas quais vai passando o gênero humano ao longo da História”.7

Nesse sentido, ensina Santo Agostinho: “Referentes à Fé católica, há muitos pontos que, ao serem postos no tapete da discussão pela astuta inquietude dos hereges, para podermos fazer- lhes frente, devem ser considerados com mais cuidado, entendidos com mais clareza e pregados com mais insistência. E, assim, a questão suscitada pelo adversário oferece oportunidade para aprender”.8

Há, entretanto, um motor ainda mais dinâmico do que as heresias no desenvolvimento da Fé: é o amor do povo fiel que, inspirado pelo Espírito Santo, impulsiona os seus Pastores a tornarem explícitos certos aspectos da Revelação. Assim, as novas definições dogmáticas não nascem de frias considerações doutrinais, mas provêm das legítimas necessidades e apetências do povo de Deus.

As proclamações dos dogmas marianos são belos testemunhos dessa imbricação entre o Magistério vivo e o fervor dos fiéis, desde os primeiros séculos do Cristianismo. O surgimento das primeiras heresias e o surto de amor à verdade que se insurgiu contra elas vai dar uma oportunidade única ao desenvolvimento da Doutrina Cristã, fomentando a reflexão teológica e propiciando as intervenções do Magistério da Igreja, vigilante salvaguarda da Fé.

A história da definição da maternidade divina e da virgindade perpétua de Maria Santíssima como verdades de Fé são dois magníficos exemplos desta realidade.

Maternidade divina

Entre as inúmeras lições outorgadas aos homens pela História, há uma de capital importância: a forma mais eficaz de combater uma verdade nem sempre consiste em propagar o erro oposto, mas em exagerar algum de seus aspectos. Constata-se isso ao analisar o movimento pendular das heresias dos primeiros séculos, as quais, sob as aparências de zelo e pia defesa da ortodoxia, sucederam-se nos mais heterodoxos extremismos, igualmente distantes do equilíbrio da Fé. Foi o sucedido, por exemplo, com a heresia que ocasionou a definição do primeiro dogma mariano.

Grassava no século IV um terrível erro cristológico difundido por Apolinário, Bispo antiariano de Laodiceia, o qual, alegando a necessidade de salvaguardar a unidade de Cristo com Deus, terminou por amputar-Lhe a natureza de homem, negando a existência da alma humana no Verbo Encarnado.

Contra os apolinaristas – como ficaram conhecidos os seguidores do heresiarca -, levantou-se Nestório, Patriarca de Constantinopla, defendendo a integridade tanto da natureza humana como da divina, mas afirmando um erro oposto: ambas eram tão completas que formavam duas hipóstases independentes, duas pessoas unidas de maneira extrínseca e acidental. Assim, Cristo seria Deus e homem, não no sentido católico da união hipostática do Verbo com a humanidade, mas formando um composto de duas pessoas distintas, havendo entre elas apenas uma união moral.9 Essa doutrina comportava um importante corolário: Maria não era Mãe da pessoa divina, mas apenas da natureza humana de Cristo. Portanto, deveria ser chamada Khristotókos (Mãe de Cristo), e não Theotókos (Mãe de Deus).

Tal afirmação contundia tanto o ensinamento dos Padres, quanto a piedade dos fiéis, cuja indignação diante das proposições de Nestório não foi pequena.

Com efeito, claros precedentes da doutrina estabelecida pelo dogma aparecem desde os primeiros tempos da literatura cristã. Já nos escritos de Santo Inácio de Antioquia, que foi discípulo do Apóstolo João, encontramos expressões como estas: “De fato, o Nosso Deus Jesus Cristo, segundo a economia de Deus, foi levado no seio de Maria, da descendência de Davi e do Espírito Santo”10; “Constatei que sois perfeitos na Fé imutável. […] Estais plenamente convencidos de que Nosso Senhor é verdadeiramente da descendência de Davi segundo a carne, Filho de Deus segundo a vontade e o poder de Deus, nascido verdadeiramente da Virgem”.11

Em sentido análogo se pronuncia Santo Irineu, no segundo século, quando atribui à mesma Pessoa a geração eterna e a temporal, acentuando a unidade pessoal de Cristo, Verbo de Deus e Filho de Maria: “É, portanto, o Filho de Deus nosso Senhor, Verbo do Pai e, ao mesmo tempo, Filho do homem, que de Maria, nascida de criaturas humanas e Ela própria criatura humana, teve nascimento humano, tornando-Se Filho do homem”.12

A devoção dos fiéis pela “Sancta Dei Genitrix (Santa Mãe de Deus)” vem demonstrada, pelo menos desde o século III, pela prece Sub tuum præsidium, a mais antiga oração dirigida a Maria da qual se tem conhecimento, no qual Ela é assim invocada. 13 Segundo afirma Gabriel Roschini, “no século IV, mesmo antes do Concílio de Éfeso, a expressão Mãe de Deus se tornara tão comum entre os fiéis que dava nos nervos do Imperador Juliano, o Apóstata”.14

Empolgantes são as páginas deste capítulo da História da Igreja em que, tendo à frente o grande São Cirilo de Alexandria, o Concílio de Éfeso definiu no ano 431 a verdade destinada a brilhar para sempre no firmamento da teologia: “Se alguém não confessar que o Emanuel é Deus no sentido verdadeiro e que, portanto, a santa Virgem é deípara (pois gerou segundo a carne o Verbo que é Deus e veio a ser carne), seja anátema”.15

É digno de nota o entrelaçamento havido entre a fé popular e a reação doutrinária contra a heresia, como fator decisivo para a proclamação deste primeiro dogma mariano. A par das questões teológicas, faz-se presente em quase todas as obras que tratam sobre o Concílio de Éfeso, a constituição de uma como que “torcida” dos fiéis pela proclamação do dogma, manifestada, sobretudo, na narrativa do júbilo popular após o encerramento da sessão que consagrou a Theotókos: provida de tochas acesas, a multidão devota acompanhou os Padres conciliares até suas moradas, aclamando-os pelas ruas da cidade.

Estavam abertas, assim, as portas para as definições formais da Santa Igreja sobre as realidades teológicas que dizem respeito à Santíssima Virgem. A segunda delas, sobre a sua virgindade perpétua, viria duzentos anos mais tarde, novamente em defesa da verdade na luta contra a falsa doutrina.

Virgindade perpétua

A virgindade perpétua da Mãe de Deus é sintetizada nesta fórmula: Maria foi virgem antes do parto, no parto e depois do parto. Estes três elementos do dogma afirmam a concepção virginal de Jesus, pois Maria foi mãe por virtude divina, sem concurso humano; o nascimento milagroso de Jesus, “o qual não só não lesou a integridade de sua Mãe, mas também a consagrou”16; e a integridade de Maria Santíssima depois do nascimento de seu Divino Filho.

Já os livros do Antigo Testamento trazem imagens e profecias sobre a virgindade de Maria como comenta São Bernardo: “Que prefigurava em seu dia aquela sarça ardendo sem consumir-se? A Maria dando a luz sem dor alguma. E a vara de Aarão, que floresce misteriosamente, sem havê-la plantado? À Virgem, que concebeu sem concurso de varão. E será Isaías quem melhor nos formule o maior mistério deste prodigioso milagre. ‘Germinará uma vara do tronco de Jessé, e de sua raiz brotará uma flor’, assim deixa representada a Virgem na vara, e seu parto na flor”.17

E prototípica é a profecia de Isaías, recolhida por São Mateus: “Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor falou pelo profeta: ‘Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho que se chamará Emanuel’ (Is 7, 14), que significa: ‘Deus conosco'” (Mt 1, 22-23).

No Novo Testamento, a concepção virginal é atestada por São Lucas e São Mateus, ao afirmarem que Jesus foi gerado pelo Espírito Santo: “O Espírito Santo descerá sobre Ti, e a força do Altíssimo Te envolverá com a sua sombra. Por isso o ente santo que nascer de Ti será chamado Filho de Deus” (Lc 1, 35); “José, filho de Davi, não temas receber Maria por esposa, pois o que n’Ela foi concebido vem do Espírito Santo” (Mt 1, 20).

Apesar desses indícios escriturísticos, a maternidade virginal de Maria foi alvo dos ataques de várias heresias nos primeiros séculos, como a corrente dos ebionitas, a qual negava a divindade de Jesus. Contudo, a concepção virginal era já considerada pela Igreja como indiscutível patrimônio doutrinário18, e foi posta a serviço da defesa da divindade do Redentor. É neste período que, com São Justino, a expressão “a Virgem” começa a se tornar característica para designar Maria Santíssima.19

No século IV, houve uma ampla explicitação deste dogma, como reação aos erros então propagados. Defenderam a virgindade perpétua de Maria grandes escritores como Santo Epifânio, São Jerônimo, Santo Ambrósio e Santo Agostinho. Belas são as páginas dedicadas pelo Bispo de Hipona ao louvor deste privilégio mariano, como nos mostra o seguinte trecho: “Maria permanece virgem ao conceber seu Filho, virgem como gestante, virgem ao dá-Lo à luz, virgem ao alimentá-Lo em seu seio, sempre virgem. Por que te admiras disso, ó homem? Uma vez que Deus Se dignou fazer-Se homem, convinha que nascesse desse modo”.20

Não tardou que ao aprofundamento teológico se acrescentasse o reconhecimento do Magistério. Coube ao Sínodo de Latrão de 649, convocado pelo Papa São Martinho I, a proclamação do dogma.

Após as grandes controvérsias cristológicas de seus primórdios, a Igreja esperaria doze séculos para uma nova definição dogmática solene sobre os atributos da Mãe de Deus. Desta vez, não será ela impelida pela necessidade de combater heresias, mas por outro possante fator de desenvolvimento dogmático: o sensus fidei.

O dogma da Imaculada Conceição: triunfo da piedade cristã

A definição do dogma da Imaculada Conceição é um exemplo paradigmático da Fé eclesial que, por especial assistência do Espírito Santo, cresce e se aprofunda na compreensão das verdades reveladas. Neste caso, o povo cristão, “que não sabe teologia, mas tem o ‘instinto da fé’, que provém do mesmo Espírito Santo e lhe faz pressentir a verdade, ainda que não saiba demonstrá-la”21, antecipou-se aos doutos e sábios crendo na Imaculada Conceição de Maria.

Estimulados pela fé instintiva dos fiéis, os teólogos buscaram fundamentá-la com argumentos plausíveis e harmonizá-la com o conjunto da Revelação. E foi neste ponto que a tese da Imaculada Conceição se viu incompreendida até por grandes e piedosos doutores, como São Bernardo, Santo Anselmo, São Boaventura, Santo Alberto Magno e São Tomás de Aquino, os quais não ousavam defender a proclamação deste dogma por não conseguirem conciliá-lo com a doutrina acerca da transmissão do pecado original e da redenção universal operada por Cristo.

Uma reação à altura em favor do dogma apareceria anos mais tarde, com o Beato João Duns Escoto, o qual “depois de bem fixar os verdadeiros termos da questão, estabeleceu com admirável clareza os sólidos fundamentos para desvanecer as dificuldades que os contrários opunham à singular prerrogativa mariana”.22 Tais fundamentos consistiram, sobretudo, na elaboração do conceito de redenção preventiva, argumento decisivo da doutrina sobre a Imaculada.

Argumentam os teólogos que há duas formas de libertar um cativo: pagando o preço de seu resgate para tirá-lo do cativeiro em que já está (situação análoga à redenção liberativa, na qual, pelos méritos de Cristo, somos limpos da culpa original herdada de nossos primeiros pais); ou pagando antecipadamente, impedindo a pessoa de cair em cativeiro (redenção preventiva). Esta última é uma verdadeira e própria redenção, mais autêntica e profunda que a primeira, e é a que se aplicou à Santíssima Virgem, preservada imune de qualquer mancha de pecado, desde o primeiro instante de sua concepção.23

O entusiasmo do bom povo de Deus do mundo inteiro – e especialmente da Espanha – fazia-se sentir até no Vaticano. Entretanto foi preciso esperar até 8 de dezembro de 1854 para a declaração do dogma. Então, como afirma Pio IX, “teria chegado o tempo oportuno para definir a Imaculada Conceição da Virgem Mãe de Deus, que a Sagrada Escritura, a veneranda tradição, a constante percepção da Igreja, o singular consenso dos Bispos católicos e dos fiéis, os atos memoráveis e as constituições dos nossos predecessores ilustram e explicam admiravelmente”.24

A solene definição teve lugar na Basílica Vaticana com a presença de numerosas autoridades eclesiásticas e de uma multidão de devotos. Observou uma testemunha ocular desse memorável dia: “É hoje em Roma, como outrora em Éfeso: as celebrações de Maria são, em toda a parte, populares. Os romanos se aprestam a receber a definição da Imaculada Conceição, como os efésios acolheram a da Maternidade Divina de Maria: com cânticos de júbilo e manifestações do mais vivo entusiasmo”.25 Estava consagrada para sempre a fórmula encontrada pelos fiéis espanhóis, que tão grande papel tiveram na difusão desta verdade, para expressar seu amor pela Imaculada: “Ave Maria Puríssima, sem pecado concebida!”.

Maria assunta ao Céu

A proclamação dogma da Assunção, definido por Pio XII quase um século depois, é outro belo exemplo de maturação da Fé eclesial.

A devoção popular pela Assunção de Maria em corpo e alma aos Céus encontrou suas primeiras manifestações numa antiquíssima celebração litúrgica no Oriente. Prévias a essa celebração são as primeiras referências da Tradição sobre o destino final da Santíssima Virgem, que aparecem entre os séculos IV e V, destacando-se as asserções de Santo Efrém e Santo Epifânio. Os testemunhos dos Padres tornaram-se mais numerosos a partir do século seguinte, e de grande importância
são as homilias de Santo André de Creta e, sobretudo, de São João Damasceno que “entre todos se distingue como pregoeiro desta tradição”.26

Seguindo os Padres da Igreja, os teólogos escolásticos expuseram com grande clareza o significado da Assunção e sua profunda conexão com as demais verdades reveladas, muito contribuindo na progressiva divulgação deste privilégio da Mãe de Deus. Pode-se dizer que, em linhas gerais, a partir do século XV os teólogos já eram unânimes em afirmá-lo. A esses testemunhos litúrgicos, patrísticos e teológicos cabe acrescentar numerosas expressões da piedade popular, entre elas a dedicação de um dos mistérios do Rosário a essa verdade.

Tal consenso eclesial é apontado por Pio XII como argumento fundamental para a proclamação dogmática da Assunção, pois mostra “a doutrina concorde do Magistério ordinário da Igreja, e a Fé igualmente concorde do povo cristão – que aquele Magistério sustenta e dirige – e, por isso mesmo, manifesta, de modo certo e imune de erro, que tal privilégio é verdade revelada por Deus e contida no depósito divino que Jesus Cristo confiou a sua esposa para o guardar fielmente e infalivelmente o declarar”.27 Apoiada nesses pressupostos, a definição solene realizou-se em 1950.

O ambiente que emoldurou a declaração dogmática da Assunção foi, sem dúvida, impressionante, como puderam registrar as câmeras fotográficas da época. Numerosos Cardeais, Bispos, sacerdotes e religiosos, além da grande multidão de fiéis, acorreram à Praça de São Pedro, sem contar todos os que, espalhados pelo mundo, acompanharam a transmissão por rádio e televisão. Era o orbe católico unido em “um só coração e uma só alma” (At 4, 32), assistindo à solene proclamação da Fé que em uníssono professava.

Assim rezam as palavras definitórias: “Para glória de Deus onipotente que à virgem Maria concedeu a sua especial benevolência, para honra do seu Filho, Rei imortal dos séculos e triunfador do pecado e da morte, para aumento da glória da sua augusta Mãe, e para gozo e júbilo de toda a Igreja, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados Apóstolos São Pedro e São Paulo e com a nossa, pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que: a Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial”.28

Sinal de crescimento e fortalecimento

Nas poucas narrações da infância de Jesus registradas nos Evangelhos, figura uma admirável – mas, hélas, quão sucinta! – síntese dos primeiros anos do Verbo de Deus feito carne: “O Menino ia crescendo e Se fortificava: estava cheio de sabedoria,
e a graça de Deus repousava n’Ele” (Lc 2, 40). Tais palavras relativas a Cristo bem podem ser aplicadas a seu Corpo Místico, o qual cresce e se fortalece continuamente, animado pelo Espírito Santo que o vivifica.

Ora, ao término desta reflexão, é reconfortante observar o quanto as definições dogmáticas constituem uma das mais belas manifestações desse crescimento. Pois, como ensina o padre Garrigou-Lagrange, a solene declaração das verdades de Fé e sua penetração cada vez mais profunda no povo cristão apresentam como principal corolário o conduzir à compreensão – tanto quanto seja possível nesta Terra – d’Aquele que “nos ama além do que podemos conceber e desejar, até querer associar-nos à sua vida íntima, levar-nos pouco a pouco a vê-Lo como Ele Se vê, e amá-Lo como Ele Se ama”.29

Portanto, se a solene declaração de uma verdade de Fé tem por principal finalidade conduzir ao conhecimento de Deus e das realidades a Ele concernentes, a mais relevante implicação teológica dos dogmas marianos não poderia ser outra senão a de proporcionar, a partir da explicitação do conteúdo da Revelação, uma maior ciência acerca d’Aquela que Deus escolheu por Mãe e uniu a Si e a toda Igreja de forma singularíssima.

Assim o entendeu a Igreja que, a partir da exegese das Escrituras, da ausculta da Tradição, do labor teológico e da fidelidade à ação do Espírito Paráclito nas almas, descortinou amplos panoramas na compreensão da Santíssima Virgem e de seu Divino Filho.

Nos primeiros séculos, a tenra Igreja recém-nascida vê-se convulsionada por diversas heresias. Grande perigo? Sem dúvida. Mas também excelente oportunidade para a consolidação doutrinária, esforço que talvez não se tivesse efetuado se não fosse a necessidade apologética.

Bem o demonstram a solene declaração da Maternidade Divina e a virgindade perpétua, dogmas que alargaram os horizontes da Doutrina Católica, conferindo a Nossa Senhora um destaque único. Estavam lançados os fundamentos da Mariologia, abertas as portas para o florescimento das festividades em honra à Mãe de Deus e estabelecidas sólidas bases para a devoção mariana dos fiéis.

Passam-se os séculos, e a robustez doutrinária já alcançada permite que se verifique outra forma de desenvolvimento da piedade, desta vez a partir do senso sobrenatural da Fé. As verdades reveladas já definidas, seus corolários doutrinários e suas manifestações litúrgicas são base para a profícua ação do Espírito Santo, que inspira nos fiéis novos aprofundamentos. Estes serão colhidos pelo Magistério da Igreja e, quais novos rebentos inseridos no rol das verdades de Fé, são proclamados
os dogmas da Imaculada Conceição e da Assunção de Maria.

Organismo vivo e – ao contrário das leis naturais – em contínuo rejuvenescimento, a Igreja pode ainda ver florescer em seu regaço novos dogmas marianos, como, por exemplo, o da mediação universal e o da corredenção da Santíssima Virgem, se a isto a conduzir o cumprimento de sua missão. Sem jamais constituir entraves coercitivos e obsoletos, farão ressoar novamente o grande conselho cristocêntrico de Maria: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5), convidando-nos a uma adesão amorosa ao Magistério da Igreja, “coluna e sustentáculo da verdade” (I Tm 3, 15).

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Fontes de Pesquisas:


1 CONCÍLIO VATICANO II. Dei Verbum, n.7.

2 CIC, 890.

3 CONCÍLIO VATICANO II. Dei Verbum, n.10.

4 CONCÍLIO VATICANO II. Lumen gentium, n.25.

5 CIC 88.

6 Idem, 89.

7 CORRÊA DE OLIVEIRA Plinio. A Igreja e a História. In: Dr. Plinio. São Paulo. Ano V. N.46 (Jan., 2002); p.20.

8 SANTO AGOSTINHO. A Cidade de Deus, l.XVI, c.2, 1.

9 Cf. ALASTRUEY, Gregorio. Tratado de la Virgen Santísima. Madrid: BAC, 1956, p.76-77.

10 SANTO INÁCIO DE ANTIOQUIA. Carta aos efésios, 18,2.

11 Idem, Carta aos esmirniotas, 1,1.

12 SANTO IRINEU DE LIÃO. Contra as heresias, l.3, c.19, 3.

13 ROSCHINI, Gabriel. Instruções marianas. São Paulo: Paulinas, 1960, p.44.

14 Idem, ibidem.

15 Dz 252.

16 CONCÍLIO VATICANO II. Lumen gentium, n.57.

17 SÃO BERNARDO DE CLARAVAL. Laudibus Virginis Matris, II, 5.

18 Em sua Apologia, São Justino apresenta a concepção virginal de Maria como uma verdade fundamental da religião cristã (I, 33); de igual modo, Santo Irineu (Adv. Haer. 3,19ss) afirma que esta verdade é uma das contidas na “regra de Fé” que todos devem crer.

19 Cf. ALDAMA, José Antonio de. María en la patrística de los siglos I y II. Madrid: BAC, 1970, p.83.

20 SANTO AGOSTINHO. Sermão 186,1.

21 ROYO MARÍN, OP, Antonio. La Virgen María: teología y espiritualidad marianas. 2.ed. Madrid: BAC, 1997, p.75.

22 CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Pequeno ofício da Imaculada Conceição comentado. São Paulo: Artpress, 1997, p.496.

23 Cf. ROYO MARÍN, op. cit., p.75. 

24 PIO IX. Ineffabilis Deus, n.22.

25 CHANTREL, Joseph. Histoire populaire des papes, apud CLÁ DIAS, op. cit., p.501.

26 PIO XII. Munificentissimus Deus, n.21.

27 Idem, n.12.

28 Idem, n.44.

29 GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Réginald. El sentido común: la filosofía del ser y las fórmulas dogmáticas. Buenos Aires: Desclée de Brouwer, 1945, p.240.

Fonte do Artigo: (Revista Arautos do Evangelho, Maio/2011, n. 113, p. 18 à 25)


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