A Igreja e os cristãos voltam seus olhos para a Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, na Solenidade de sua Assunção. A verdade da fé que professamos traz consigo a convicção de que Maria, escolhida desde a eternidade por Deus para a missão especial recebida, preservada do pecado original, toda revestida da Palavra de Deus, realizou a plenitude da vocação humana, que significa ser felizes nesta terra e na eternidade, na comunhão com Deus, que é Pai e Filho e Espírito Santo, e também na comunhão plena com todos os irmãos e irmãs. Maria nos precedeu, por graça especial, nesta realização completa no Paraíso, em seu corpo e sua alma. O Céu já é para os bem-aventurados que foram nele acolhidos e quer ser para todos nós a alegria e a comunhão definitivas. Tanto é verdade que nos incomoda, e com muita razão, tudo o que nos distancia da vida feliz e realizada. Não fomos feitos para a perdição, mas para a salvação.
Olhando para a Virgem Maria, nela encontramos o chamado de Deus. De fato, toda vida humana tem sua origem no plano eterno de Deus que, desde toda a eternidade, pensou em cada um de nós. Não somos frutos do acaso nem destinados ao descarte, mas pensados pelo Senhor com um lugar no plano de salvação. É fundamental que cada pessoa se descubra amada por Deus de forma única e irrepetível. Em Maria, a experiência da vocação, que pode ser modelo para todos, é o episódio da Anunciação do Anjo, com o qual Deus entrou de forma direta e definitiva em sua vida.
Para discernir o chamado de Deus, faz-se necessário estar atentos aos seus sinais. Identificar os dons concedidos pelo Senhor, colocando-os à disposição das outras pessoas, cuidando do aperfeiçoamento pessoal, equilíbrio dos próprios impulsos, educação do caráter. O chamado de Deus se manifesta ainda através dos apelos oferecidos pela própria realidade em que nos encontramos, com os seus desafios. O clamor dos mais pobres e o grito por mais retidão, coerência e unidade na sociedade podem ser instrumentos usados pelo Espírito Santo para uma vocação. Além disso, é bom estar abertos à voz de Deus através da voz dos outros. Não são raros os casos de vocação à consagração pelo Reino de Deus que vieram através de perguntas bem diretas, feitas por pessoas que percebem os sinais do chamado de Deus.
É ainda a Virgem Maria que resplandece como a que sabe responder aos apelos de Deus. Tendo discernido para entender que a palavra do Anjo provinha do alto, declarou-se serva, escrava, livremente. O ato mais digno da vida de uma pessoa é a oblação de sua liberdade, e a jovem Maria o fez de modo surpreendente, tanto que os evangelhos a ela se referem como aquela que ouviu e praticou a Palavra de Deus, realizando a vontade do Senhor de forma radical, ainda que numa vida simples e escondida. “Faça-se” foi a sua resposta, traduzida imediatamente em atos de serviço, quando foi com presteza para a casa de sua prima Isabel. Ouvir, discernir, praticar! E mais tarde, quando a Mãe se revela Discípula, com outra expressão aponta mesma estrada, nas Bodas de Caná: “Fazei o que ele disser!”.
Acolher o convite, dar os passos certos, amadurecer a resposta aos planos de Deus. Na vida de Nossa Senhora, tudo foi vivido como um processo, com gradualidade, até chegar à plenitude, quando, de pé, aos pés da Cruz, diz o seu “sim” definitivo, participando do mistério de seu Filho, quando se revela ainda Mãe de todos os discípulos de Jesus.
E aqui acolhemos o ensinamento da Igreja a respeito da participação de Nossa Senhora no mistério de Cristo (Cf. Lumen Gentium 62-63). A maternidade de Maria perdura desde o consentimento na anunciação e se manteve inabalável junto à cruz, para chegar até à consumação eterna de todos os eleitos. Depois de elevada ao céu, com a sua intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação eterna. Cuida, com amor materno, dos irmãos de seu Filho que, entre perigos e angústias, caminham ainda na terra, até chegarem à pátria bem-aventurada. Por isso, a Virgem é invocada na Igreja com os títulos de advogada, auxiliadora, socorro, medianeira. Mas isto se entende de maneira que nada tire nem acrescente à dignidade e eficácia do único mediador, que é Cristo, pois nenhuma criatura se pode equiparar ao Verbo encarnado e Redentor. Mas, assim como o sacerdócio de Cristo é participado de diversos modos pelos ministros e pelo povo fiel, e assim como a bondade de Deus, sendo uma só, se difunde de modo variado pelos seres criados, assim também a mediação única do Redentor não exclui, antes suscita nas criaturas cooperações diversas, que participam dessa única fonte. Esta função subordinada de Maria, não hesita a Igreja em proclamá-la; sente-a constantemente e inculca-a aos fiéis, para mais intimamente aderirem, com esta ajuda materna, ao seu mediador e salvador.
Pelo dom e missão da maternidade divina, que a une a seu Filho Redentor, e pelas suas singulares graças e funções, está também a Virgem intimamente ligada à Igreja: a Mãe de Deus é o tipo e a figura da Igreja, na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com Cristo. No mistério da Igreja, a qual é também com razão chamada mãe e virgem, a bem-aventurada Virgem Maria passa na frente, como modelo eminente e único de virgem e de mãe, porque, acreditando e obedecendo, gerou na terra, sem ter conhecido varão, por obra e graça do Espírito Santo, o Filho do eterno Pai; nova Eva, que acreditou sem a mais leve sombra de dúvida, não na serpente antiga, mas no mensageiro celeste. E deu à luz um Filho, que Deus estabeleceu primogênito de muitos irmãos, isto é, dos fiéis, para cuja geração e educação ela coopera com amor de mãe.
Enfim, Maria pode ser vista como referência para todas as vocações. Nela a virgem, a esposa, a mãe, a mulher madura no sofrimento, a discípula. A todos sua palavra e seu testemunho dizem “faça-se em mim segundo a tua Palavra” ou “fazei tudo o que ele disser”.
Autor:
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará
Fonte:
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
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