Os Evangelhos narram que, durante sua vida pública, quando Jesus Cristo chegava a algum povoado ou cidade, as multidões, ao saberem de sua presença, O rodeavam e procuravam aproximar-se d’Ele para ouvi-Lo e, até, para tocá-Lo. Uma força saía de sua Pessoa Divina, curando doenças e males, irremediáveis pela medicina da época. Lembremos a hemorroísa, que estava enferma havia mais de doze anos. Empobrecida pela doença e pela imperícia dos médicos, “piorava cada vez mais” (Mc 5, 26). Tendo ouvido os ecos das maravilhas operadas pelo Profeta da Galileia, procurou, com todo empenho, aproximar-se de Jesus, pensando consigo mesma: “se tocar, ainda que seja a orla de seu manto, ficarei curada” (Mc 5, 28). E no mesmo instante em que logrou tocar as vestes de Nosso Senhor, viu-se livre daquele fluxo de sangue que tanto a debilitava. Ele, apesar de conhecer desde toda a eternidade o milagre que realizaria, pois é Deus e conhece tudo, quis perguntar: “quem tocou minhas vestes?” (Mc 5, 34). E depois de ter recebido a confissão daquela mulher, dirigiu-lhe, com afeto paternal, um elogio digno de nota: “Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz e fica curada do teu mal” (Mc 5, 34).
Este milagre, como tantos outros, falam-nos da importância da proximidade. Jesus quis atrair as pessoas a Si, para banhá-las na torrente de sua bondade, pois o aproximar-se d’Ele trazia como prêmio um crescimento na confiança em seu benigno poder. Por isso, Jesus inspirava no mais íntimo do coração da hemorroísa o desejo de estar perto d’Ele, ao mesmo tempo que lhe aumentava a fé, até, finalmente, ela conseguir tocar suas vestes.
A razão mais profunda disso está em que a natureza humana é composta de matéria e espírito. Nosso Senhor, o Pedagogo por excelência, conhece inteiramente a psicologia do homem e sua necessidade de expressar sentimentos e ideias mediante gestos e símbolos. Há, portanto, uma relação entre a proximidade física, a moral e a espiritual.
Os laços familiares constituem um expressivo exemplo dessa realidade. A família tem necessidade de viver sob o mesmo teto, compartilhando as alegrias e tristezas da vida, proximidade exigida pelo afeto recíproco. De fato, quem compreende melhor os desejos do esposo que a esposa? Não possuem o pai e a mãe um enraizado instinto de proteção e amor a seus filhos? E, por sua vez, o que se dirá do filho que despreza os pais? Em síntese, as relações familiares geram estreitos vínculos de dedicação e riquíssimos sentimentos de afeto, pelos quais seus membros desejam estar próximos uns dos outros.
Maria Santíssima, Mãe de Deus
A necessidade da proximidade, tanto no relacionamento humano quanto na vida sobrenatural, nos ajuda a compreender a belíssima forma com que Deus quis santificar sua Obra Prima, a Virgem Maria. Ao elevá-La como arquétipo perfeito, acima de todos os anjos e homens, a Providência desejou aproximá-La de Si e fazê-La participar, num altíssimo grau, desse mistério de amor que é a Trindade. Mas, de que forma?
Em primeiro lugar, escolhendo-A para ser Mãe do Verbo Encarnado. Com efeito, a Trindade, ao arquitetar o plano da salvação, quis a colaboração de Maria Santíssima. No entanto, pediu-Lhe o consentimento para aceitar a missão de “dar à luz um Filho” (Lc 1, 38) por obra do Espírito Santo. E, por estar predestinada a ser Mãe de Deus, foi cumulada de graça e santidade:
“Quanto mais próximo está alguém do princípio, seja qual for o gênero, mais participa de seu efeito. […] Cristo é o princípio da graça: como Autor, por sua divindade; como Instrumento, por sua humanidade. Por isso diz o Evangelho de João: “A graça e a verdade vieram por Jesus Cristo.” (Jo 1, 16) Ora, a Bem-aventurada Virgem Maria foi a que esteve mais próxima de Cristo segundo a humanidade, pois foi d’Ela que Cristo recebeu a natureza humana. Eis por que Ela tinha de obter de Cristo uma plenitude de graça maior do que as outras pessoas”.[1]
Não é verdade que quanto mais nos aproximamos do fogo mais sentimos calor? E que as árvores plantadas à beira de um rio estão sempre vicejantes? Da mesma forma, Maria Santíssima, que uniu aos vínculos naturais da maternidade os laços da Fé e da Caridade, esteve unida a seu Filho e, por Ele, a toda a Trindade, de modo tão íntimo que mal podemos ter uma ideia desse mistério. Por mais perfeito que um cristão possa ser, nunca excederá em santidade Maria Santíssima, a Cheia de Graça, pelo lugar privilegiado que Ela tem no mistério da Redenção: “predestinada para Mãe de Deus desde toda a eternidade, […] por disposição da Divina Providência foi na terra a nobre Mãe do Divino Redentor, a sua mais generosa Cooperadora e a Escrava humilde do Senhor. Concebendo, gerando e alimentando a Cristo, apresentando-O ao Pai no Templo, padecendo com Ele quando agonizava na Cruz, cooperou de modo singular, com a sua Fé, Esperança e ardente Caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a vida sobrenatural. É por esta razão nossa Mãe na ordem da graça”.[2]
A missão de Maria na obra redentora
Com efeito, sabemos que “Deus amou tanto o mundo, que enviou o seu Filho”, (Jo 3, 16) a fim de resgatar a humanidade das trevas do pecado, O qual, oferecendo-Se como Vítima pura e de suave odor pelos nossos pecados (cf Ef 5, 2), obteve-nos a participação na graça e reabriu-nos as portas do Paraíso. E, tendo ascendido ao Céu, enviou à Igreja o Espírito Santo Consolador, para que continuamente a santificasse e a confirmasse na Fé.
A esse mistério admirável a Virgem fiel foi intimamente associada. No Evangelho de São Lucas, encontraremos descrita a colaboração de Maria. É necessário lembrar antes que, na antiguidade, o nome dado à pessoa não era uma designação arbitrária, mas caracterização do indivíduo, expressão de sua íntima essência ou de um atributo pessoal. Por essa razão, quando Deus escolhe alguém para determinada missão, dá-lhe o nome, como a João Batista, ou muda-o em função de uma nova missão, como no caso de Abrão (que significa ‘pai elevado’) a quem o Senhor chama de Abraão (‘pai de multidão’) (Gn 17, 5).[3]
As primeiras palavras da saudação do anjo a Maria foram: “Alegra-Te, Cheia de Graça” (Lc 1, 28). Efetivamente, o Espírito Santo, em previsão da maternidade divina, havia enriquecido o Coração de Maria comunicando-Lhe sua santidade de forma completa e eficaz. Por isso, Maria e a Graça de tal forma se identificam, que o anjo não hesita em dar-Lhe, da parte de Deus, este belíssimo nome, Gratia Plena.
A santidade de Maria, porém, não permaneceu estática, pois o seu íntimo relacionamento com o Verbo de Deus durante a gestação enriqueceu-A ainda mais. “Deus, feito homem, encontrou sua liberdade em se ver aprisionado no seio da Virgem Mãe; patenteou a sua força em se deixar levar por esta Virgem santa; achou sua glória e a de seu Pai, escondendo seus esplendores a todas as criaturas deste mundo, para revelá‑las somente a Maria”.[4] Essa superabundância de santidade é evidenciada no episódio da Visitação: “quando ouviu a saudação de Maria, a criança pulou de alegria em seu ventre, e Isabel ficou repleta do Espírito Santo” (Lc 1, 41).
Mas o papel de Nossa Senhora não termina nos episódios da infância de Jesus. Ela acompanha o Filho na sua vida pública, embora de forma discreta, até os acontecimentos decisivos da sua Paixão e Morte redentora. Nossa Senhora esteve aos pés da Cruz, compadecendo-Se das dores do Filho e aceitando com heroísmo o cumprimento da vontade do Pai.
São Pio X definiu deste modo a missão de Maria no holocausto de Jesus: “A Santíssima Mãe de Deus teve a honra de dar a substância de sua própria carne ao Filho Unigênito de Deus, que havia de tomar carne humana, preparando assim uma Vítima para a salvação do homem. E não apenas isso, mas também Lhe foi confiada a tarefa de nutrir e cuidar dessa Vítima, e inclusive de oferecê-La no altar no tempo oportuno”.[5]
E, após os gloriosos acontecimentos da Ressurreição e Ascenção ao Céu, Nossa Senhora permaneceria com os Apóstolos em oração no Cenáculo, acelerando, segundo a bela expressão de Pio XII,[6] a descida do Espírito Santo e a expansão da Santa Igreja, de quem será considerada Mãe amantíssima, na ordem da graça.
Mas, a maternidade divina e a compaixão de Maria no holocausto de Cristo serão os únicos argumentos para ilustrar a proximidade de Maria com a Santíssima Trindade?
O “divino impasse”
Mons. João S. Clá Dias, EP, responde a essa questão de forma original, usando uma metáfora muito acessível: a Trindade, ao levar a cabo o sublime plano da Redenção, pôde resolver, por meio de Maria, certo ‘impasse’.[7] “Havia um desejo, por assim dizer, de o Filho manifestar-Se em relação ao Pai também como Escravo. […] E quem resolveu este “impasse” dentro da Santíssima Trindade para Ele, Deus Filho, foi Maria Santíssima. Porque quando Ela disse fiat mihi secundum Verbum tuum, aceitando que a Encarnação do Verbo se fizesse n’Ela, abriu as portas para que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, de sua humanidade, pudesse dizer, em relação ao Pai, não só: Meu Pai, mas também: Senhor. Porque, de fato, era Senhor e Pai”.[8]
Com efeito, graças ao consentimento de Maria, pôde o Filho, “fazer aquelas orações lindíssimas, que se encontram no Evangelho: ‘Pai, se for possível, afastai de Mim esse cálice! Mas, faça-se, antes, a vossa vontade, não a minha!’ (Lc 22, 42) Ele, enquanto homem verdadeiro, é débil, é limitado e deve cumprir a vontade do Pai. Ele se põe na inteira obediência ao Pai. E, com isso, tem a alegria de ser, de fato, na sua humanidade, inferior ao Pai, e poder dar ao Pai, tudo aquilo que está ao alcance d’Ele na qualidade de Filho do Homem”.[9]
Por outro lado, o Divino Espírito Santo, embora compartilhe com o Pai e o Filho toda a fecundidade própria à essência divina, é o termo das processões dentro da Trindade, e não gera outra Pessoa no seio da Trindade. Era, como dizem alguns teólogos, de alguma forma, estéril.[10] E Mons. João S. Clá Dias, EP, explica: “O Espírito Santo, que não tinha nada nas mãos para oferecer ao Pai, nem ao Filho, porque tudo era comum a Eles, e esse amor era idêntico entre Eles, encontrou, em Nossa Senhora, a possibilidade de oferecer ao Pai e ao Filho muitos outros filhos e irmãos. Porque é em Maria que o Espírito Santo gera todos os filhos de Deus pela graça. Através do Batismo, é Ele quem vai multiplicando os filhos e vai oferecendo ao Pai e ao Filho essa multidão de batizados. Com isso, então, foi possível o Pai receber do Filho tudo que Ele podia dar de dentro da sua natureza humana; e o Pai receber do Espírito, tudo aquilo que Ele podia dar, gerando na criatura humana, outros filhos”.[11]
À luz desse “divino impasse” descrito por Mons. João S. Clá Dias, EP, ampliam-se os motivos pelos quais as Pessoas Divinas decretaram, desde toda a eternidade, aproximar Nossa Senhora, num grau insuperável, do mistério de amor da Trindade. Também permite entender melhor o específico matiz de relacionamento de Nossa Senhora com as Pessoas Divinas, tão sintética e belamente expresso por uma anáfora da Liturgia Etíope: “Santo Deus Pai, que de Ti Se deleitou; Santo o Filho, que habitou no teu seio; Santo o Paráclito, que Te santificou e Te purificou”.[12]
A relação de Filha, Mãe e Esposa com a Trindade
Ao rezarmos o Rosário, invocamos inicialmente a Maria como Filha predileta do Pai, Mãe admirável do Filho e Esposa fidelíssima do Espírito Santo. Por que a piedade católica atribui a Ela uma relação diversa com cada Pessoa Divina?
Sabemos, de fato, que a Trindade, quando age ad extra o faz inseparavelmente, como ensinava Santo Agostinho, mas não indistintamente: “Inseparáveis em sua única substância, as Pessoas Divinas são também inseparáveis no seu agir: a Trindade tem uma só e mesma operação. Mas no único operar divino, cada Pessoa se faz presente segundo o modo que lhe é próprio na Trindade”.[13]
O santo Patriarca Hesíquio de Jerusalém, interpretando de forma simbólica a Sagrada Escritura, soube mostrar a relação íntima de Maria com toda a Trindade, e com cada uma das Pessoas. Segundo ele, Nossa Senhora é a “Arca de Noé, mais larga, maior e mais gloriosa. Com efeito, a Arca de Noé, foi arca dos vivos, Maria, o foi da própria Vida; aquela, dos vivos corruptíveis, Essa, da Vida incorruptível; aquela sustenta Noé, Essa sustenta Quem fez Noé; aquela possuíra dois ou três recintos, Essa, toda a plenitude da Trindade. Visto que o Espírito permanecia junto a Ela, o Pai deitou sobre Ela sua sombra e o Filho, sendo gerado em seu seio, A inabitava. ‘Pois o Espírito Santo – disse – virá sobre Ti, e o poder do Altíssimo Te cobrirá com sua sombra. Portanto, o Menino que nascer de Ti, será chamado Filho de Deus’ (Lc 1, 35)”.[14]
Nossa Senhora, a Gratia Plena, encantou de tal forma o Pai por sua beleza e sua santidade, que foi por Ele assumida como a melhor das filhas, à Qual comunicou, de certa forma, o seu poder de gerar o Verbo. Por sua vez, Deus Filho, podendo escolher sua Mãe terrena, preferiu, entre todas as mulheres, Maria, por ser a Ele semelhantíssima na ordem da graça, e fez d’Ela a Mãe de todos os membros da Igreja. E o Espírito Santo, desejoso de levar ao auge seu poder e sua fecundidade, desposou misticamente Maria, pelo ardoroso afeto d’Ela à virgindade e exclusivo amor a Deus n’Ela formando, mediante o mais belo dos milagres, a humanidade do Verbo,[15]e, posteriormente, tantos outros filhos de Deus pela graça.
No entanto, mais ainda se pode dizer sobre a relação de Maria com cada uma das Divinas Pessoas.
O poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra
Segundo São Luís Maria Grignion, “Deus Pai transmitiu a Maria sua fecundidade, na medida em que a podia receber uma simples criatura, para que Ela pudesse produzir o seu Filho”.[16] Um grande teólogo do século passado, Pe. Argentan, explica com pormenor esse enunciado mariano. Esclarece ele que a palavra humana pode ser interior, quando concebemos determinado pensamento ou ideia, e exterior, quando tornamos conhecido, mediante o uso dos lábios e das cordas vocais, nosso conceito aos outros, dando à luz nossa palavra. Aplicando de forma analógica esse exemplo à Trindade, Argentan conclui:
“Da mesma forma, o Verbo eterno, concebido e produzido no seio de seu Pai, mas que aí habitou interior e ocultamente antes de todos os séculos, era capaz de um segundo nascimento, manifestando-Se ao mundo e tornando-Se sensível, a fim de que nós pudéssemos conhecer todo o segredo do coração de Deus, e que o grande pensamento de seu espírito, gerado por Ele desde toda a eternidade e reservado para Si mesmo, fosse exposto a nossos olhos. A Santa Virgem, portanto, foi predestinada para ser, de algum modo, a boca exterior do Pai, que nos produz (manifesta) sua Divina Palavra”.[17]
Esse maravilhoso nascimento segundo a humanidade, tornou o Verbo visível aos olhos dos homens, como Ele mesmo testemunhou a Tomé: “Se Me conhecêsseis, conheceríeis também o Pai; desde agora o conheceis e o tendes visto” (Jo 14, 7), afirmação repetida de forma ainda mais incisiva ao responder ao pedido de Felipe para mostrar-lhes o Pai: “Tanto tempo faz que estou convosco e não Me conheces, Felipe? Quem Me viu, viu também o Pai” (Jo 14, 9).
Portanto, a humanidade de Jesus, seja em sua aparência exterior, seja em sua forma de ser e em sua psicologia, em tudo reflete o Pai. Ora, não foi de Maria que o Verbo tomou sua carne sem concurso de varão? Conclui-se então que a Mãe de Jesus era, por sua vez, semelhantíssima ao Pai. A afinidade entre ambos alcançou um grau altíssimo. O próprio Pai o testemunha quando diz a respeito de Jesus Cristo: eis o meu Filho no qual me comprazo (cf Mt 17, 5). Esse Filho o era também de Maria, segundo a humanidade. Mas o Pai o reconhece como totalmente seu, em sua divindade e em sua carne. Por que razão? Dada a semelhança espiritual de Maria com o Pai, a colaboração de Maria na Encarnação do Verbo é um prolongamento do poder criador do próprio Pai. Ele fez Maria partícipe de sua fecundidade, para que o Verbo, assumindo a carne no seu seio inviolado, se tornasse visível aos homens.
Por essa razão, de tais e tantas qualidades humanas e sobrenaturais foi ornada Maria Santíssima. Devia Ela parecer-Se em tal grau ao Pai, que pudesse servir-Lhe de “lábios”, com os quais pronunciaria ao mundo sua Palavra. Eis o motivo pelo qual Deus Pai encantou-Se por Maria, sua Filha predileta. Poder-se-á excogitar outra criatura mais próxima e mais amada do Pai que a Virgem puríssima?
Aquele que nascerá de Ti, será chamado Filho do Altíssimo
É instintiva, na natureza humana, a solicitude materna para com a prole. Por outro lado, sabe-se que a graça aperfeiçoa a natureza. Ora, Maria, a melhor das mães, teve em relação a Jesus, o Filho por excelência, um discernimento, um amor, e uma entrega além do imaginável, pois, sobrepondo ao instinto materno os dons da graça, seu relacionamento com o Unigênito alcançou o auge. Por sua vez, é incalculável o oceano de amor do Verbo encarnado por Maria. Com efeito, a afeição entre Deus Filho e sua Mãe foi muito além dos vínculos afetivos naturais. São Luís Grignion afirma que “Deus Filho desceu ao seu seio virginal, qual novo Adão no paraíso terrestre, para aí ter suas complacências e operar em segredo maravilhas de graça”.[18]
Quais são essas maravilhas da graça? O Verbo, por sua humildade quis fazer-Se, através da Encarnação, servo do Pai, escolhendo Aquela que Se declarara a “Escrava do Senhor”, para mostrar ainda mais sua divina despretensão, sendo-Lhe obediente, como declara o Evangelho de São Lucas (cf Lc 2, 51). “Jesus Cristo deu mais glória a Deus, submetendo‑Se a Maria durante trinta anos, do que se tivesse convertido toda a terra pela realização dos mais estupendos milagres”.[19]
Jesus que, sendo Deus, podia salvar o gênero humano sozinho, quis associar estreitamente Maria Santíssima à sua obra redentora, para deixar-nos uma autêntica Mãe na ordem sobrenatural. Ela, mediante as dores indizíveis sofridas na Paixão, e em íntima união com as de seu Filho, deu-nos à luz na ordem da graça. Por isso, aos pés da Cruz, Jesus lhe entregou o cuidado do gênero humano, representado no apóstolo João: “Filho, eis aí a tua Mãe” (Jo 19, 27). E é tal a abundância da caridade depositada por Cristo em Maria, que, no seu coração, há um tesouro para todos os irmãos e irmãs de Jesus, como explica São Luís Maria Grignion:
“Deus Filho comunicou à sua Mãe tudo que adquiriu por sua vida e morte: seus méritos infinitos e suas virtudes admiráveis. A fez tesoureira de tudo que seu Pai Lhe deu em herança; é por Ela que Ele aplica seus méritos aos membros do Corpo Místico, que comunica suas virtudes e distribui suas graças; é Ela o canal misterioso, o aqueduto, pelo qual passam abundante e docemente suas misericórdias”.[20]
Por isso, se invoca Maria com o belo título de Medianeira Universal de todas as graças. Esta boa Mãe nos dá à luz, nos alimenta e nos leva à plenitude da vida, com seu Filho Jesus. São Luís Grignion assim expressa essa verdade:
“Santo Agostinho, sobrepujando a si mesmo, e tudo o que acabo de dizer, confirma que todos os predestinados, para serem conformes à imagem do Filho de Deus, são, neste mundo, ocultos no seio da Santíssima Virgem, e aí guardados, alimentados, mantidos e engrandecidos por esta boa Mãe, até que Ela os dê à glória, depois da morte, que é propriamente o dia de seu nascimento, como qualifica a Igreja a morte dos justos. Ó mistério de graça, que os réprobos desconhecem e os predestinados conhecem muito pouco!”.[21]
O Espírito Santo virá sobre Ti
Segundo o Cardeal Amato “a relação de Maria com o Espírito Santo é riquíssima de conteúdo. […] O Espírito de amor do Pai e do Filho fez de Maria uma nova criatura, cheia de graça, com um coração humano e feminino todo embebido de puríssimo amor trinitário, voltado à adoração e à obediência ao Pai, ao acolhimento e ao serviço do Filho, à correspondência e à colaboração com o Espírito”.[22]
O Espírito Santo, como vimos, tendo em vista o chamado de Maria a ser Mãe de Deus, a santificara com abundância, estabelecendo, como afirma o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, “uma forma de união espiritual com todo o ser d’Ela, que preparou a Encarnação”.[23] Mas, depois da concepção de Jesus Cristo, e ao longo de toda sua vida, continuou “vindo sobre Ela”, levando-A de plenitude em plenitude de graça, com uma energia, uma realidade e uma profundidade ímpares na História, até fazer com que Ela alcançasse um cume de santidade incomensurável.[24]
“Havia entre ambos uma constante união, onde o Espírito Santo – que não precisa de complementação para nada, porque é Deus – tinha sua glória, ressoando a santidade d’Ele no espírito e na alma de Nossa Senhora, como uma corda de violão que, colocada naquela caixa, ressoa de modo especial. […] E todas as coisas que o Espírito Santo quereria falar aos homens ao longo da História até o fim do mundo, eu seria levado a achar que Ele disse a Ela, que foi a caixa de ressonância”.[25]
Essa intuição de Prof. Plinio Corrêa de Oliveira vai mais longe. Para ele, uma vez que foram revelados a Nossa Senhora os esplêndidos tesouros de santidade do Espírito Santo, a História da humanidade adquire sentido, desde que seja considerada como o contínuo progresso da união dos filhos da Virgem com o mesmo Espírito ao longo dos séculos: “A raça da Virgem prossegue em ascensão até aquele conhecimento perfeito em que o Espírito Santo fale a Nossa Senhora: ‘Eu disse tudo’, e Ela responderá: ‘compreendi tudo’. E, por esse aspecto, a História do mundo acaba”.[26]
Assim, pode-se intuir o papel de Nossa Senhora na História da salvação como colaboradora do Espírito Santo. É Ela a “caixa de ressonância celeste”, cujo som deve amplificar-se ao longo dos tempos, fazendo com que as maravilhas que o Todo Poderoso fez n’Ela manifestando o poder de seu braço, repercutam pela História inteira.[27]
Conhecer a Trindade em Maria
Um meio privilegiadíssimo para conhecer e amar o mistério da Trindade é contemplar a especialíssima dileção de cada uma das Três Pessoas em relação a Maria. E, ao mesmo tempo, não se pode compreender a grandeza de Nossa Senhora sem vê-La à luz da sua participação no mistério de amor do Deus Uno e Trino, que A escolheu como Filha semelhantíssima ao Pai, Mãe dedicadíssima ao Filho e Esposa amantíssima do Espírito Santo.
Peçamos a Maria que nos leve a compreender e adorar o mistério do Deus trinitário inabitando o seu Imaculado Coração. Que Ela, nossa Mãe boníssima, tenha compaixão de nós, obtendo-nos o arrependimento e o perdão das nossas faltas, e nos comunique o fogo de seu afeto e a clarividência de sua visão, para sermos grandes adoradores da Trindade nesta vida e alcançarmos a visão dos Três que são Um, na eternidade.
FONTE DO ARTIGO:
Instituto Teológico São Tomás de Aquino – ITTA
AUTOR:
Pe. Carlos Werner Benjumea, EP
EXTRAÍDO PELO AUTOR DE:
A vida Íntima de Deus Uno e Trino
NOTAS:
[1] São Tomás de Aquino. Suma Teológica, III, q. 27, a. 5.
[2] Lumen Gentium, 61.
[3] Cf Estevão T. Bettencourt. Curso de Bíblica. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, [s.d.], p. 71. (Apostila).
[4] São Luís Maria Grignion de Montfort. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Petrópolis: Vozes, 2001. n. 18.
[5] Pio X. Ad diem illum. In: J. B. Carol. Mariología. Madrid, BAC, 1964, p. 39.
[6] Pio XII. Iucunda Semper. In: Idem, p. 41.
[7] Embora a glória da Trindade seja completa e perfeita desde toda a eternidade, Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP refere-se às relações acidentais e novas que se estabeleceram a partir da Encarnação.
[8] João Clá Dias. Homilia. São Paulo, 11 jan. 2009. Arquivo ITTA-IFAT.
[9] João Clá Dias. Homilia. São Paulo, 1 Jan. 2008. Arquivo ITTA-IFAT.
[10] Cf São Luís Maria Grignion de Montfort. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Petrópolis: Vozes, 2001. n. 20-21.
[11] João Clá Dias. Homilia. São Paulo, 1 Jan. 2008. Arquivo ITTA-IFAT.
[12] Testi mariani del primo millennio. Roma: Città Nuova, 1988-1991. Vol. 4.
[13] Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 49.
[14] Santo Hesíquio. PG 93, 1462.
[15] Cf São Tomás de Aquino. Suma Teológica, III, q. 32, a. 1, c.
[16] São Luís Maria Grignion de Montfort. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Petrópolis: Vozes, 2001, n. 17.
[17] Apud C. Jourdain. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900, Vol. 1, p. 59-60.
[18] São Luís Maria Grignion de Montfort. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Petrópolis: Vozes, 2001, n. 18.
[19] Idem.
[20] Idem, n. 24.
[21] Idem, n. 33.
[22] Angello Amato. Maria e la Trinità: Spiritualità mariana ed esistenza cristiana. Milano: San Paolo, 2000, p. 105.
[23] Plinio Corrêa de Oliveira. Divino desponsório. In: Revista Doutor Plinio, Ano XV, 171, junho de 2012, p. 21.
[24] Cf Idem.
[25] Idem.
[26] Idem, p. 22.
[27] Idem.
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